Quando o transporte vira barreira, e não ponte.
Educação inclusiva não começa na sala de aula — começa no caminho até ela. Sem condutores capacitados e veículos adaptados, alunos com autismo são afastados da inclusão escolar, antes mesmo do sinal tocar.
Vamos falar sobre isso?
Ir para a escola deveria ser uma experiência segura, acolhedora e previsível. Mas, para milhares de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas famílias, o trajeto diário se transforma em mais um desafio. Entre buzinas, barulhos excessivos e condutores sem preparo específico, o transporte escolar ainda está distante de oferecer a inclusão que a legislação prega.
A Lei Berenice Piana (12.764/2012) reconhece o autismo como deficiência e garante o direito à educação inclusiva. Porém, quando se trata do transporte até a sala de aula, a realidade é outra. As regras existem, mas não falam com clareza sobre como atender as particularidades dos alunos com TEA. O que se vê, na prática, são veículos não adequados, profissionais despreparados e uma enorme ausência de protocolos pensados para esse público.
Abril Azul e o compromisso com a inclusão
Neste cenário, o mês de abril ganha ainda mais relevância. O Abril Azul é o período dedicado à conscientização sobre o autismo, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU). Durante todo o mês, a campanha busca dar visibilidade ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) e incentivar ações de inclusão em todos os setores da sociedade.
O pedido que não pode mais esperar
E neste contexto, o portal Guarulhos em Foco recebeu um apelo de urgência feito por Luciana Moreira, mãe do pequeno Henrique Kaufmann, de 6 anos (prestes a completar 7). Henrique é estudante da Escola Municipal Crispiniano Soares, no bairro Bom Clima, e possui laudo médico de Transtorno do Espectro Autista – TEA de nível 3 (não verbal, não agressivo), além de TDAH e CID F70.
Apesar do direito garantido por lei à gratuidade no transporte escolar, a família segue aguardando, desde o início do ano letivo, por uma perua escolar com condutor. Segundo relatado, a ausência do serviço fez com que Henrique perdesse parte significativa das aulas. Em 2024, ele não foi atendido, e neste ano, precisou mudar de escola. Até o momento da publicação desta matéria, nenhuma solução havia sido efetivada pela prefeitura.


Em 17 de abril de 2025, a mãe formalizou a solicitação junto à Ouvidoria da Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos, sob o protocolo de atendimento nº 1118.2025/0020694-9. O caso também foi levado ao conhecimento do ex-vereador Jorginho Mota, conhecido por atuar em pautas voltadas à inclusão de pessoas com autismo na cidade.
Motoristas prontos para dirigir, mas não para cuidar
Ainda como tentativa de resolução, a responsável procurou duas vans credenciadas pela Prefeitura de Guarulhos para prestar o serviço. Um dos condutores recusou de imediato, alegando impossibilidade por lotação. O outro chegou a iniciar o atendimento, mas desistiu após uma viagem, justificando que não tinha como assegurar a integridade do aluno por falta de recursos adequados para prestar o serviço com segurança e responsabilidade.
O Código de Trânsito Brasileiro exige formação técnica dos motoristas escolares. Eles aprendem sobre segurança no trânsito, primeiros socorros e convivência com passageiros. Mas nenhum desses módulos fala sobre autismo. Como lidar com uma crise sensorial? Como acalmar um aluno que não se comunica verbalmente? Como garantir que ele se sinta seguro?
Nos Estados Unidos, há programas que treinam os motoristas para identificar sinais de sobrecarga, adaptar rotas e comunicar-se de forma acessível. Aqui no Brasil, isso ainda é exceção. A regra é o improviso — e, muitas vezes, o silêncio.
Veículos adaptados… para quem?
Enquanto países como Canadá e Holanda investem em vans com isolamento acústico, assentos adaptáveis e espaço para acompanhantes, no Brasil os veículos seguem o básico do Código de Trânsito. Cinto de segurança, extintor e kit de primeiros socorros. E só. Nada sobre abafadores de ruído, comunicação alternativa, rota flexível ou acompanhamento terapêutico durante o transporte.
Quem cuida nas emergências?
Convulsões, crises de ansiedade, episódios de fuga ou paralisação. Todas essas situações são comuns entre pessoas com autismo, especialmente quando há comorbidades como epilepsia. E, mesmo assim, não há protocolos nacionais específicos para motoristas ou monitores no transporte escolar. Kits de emergência não contam com dispositivos de comunicação alternativa, e os condutores não sabem, muitas vezes, nem o nome completo do aluno.
A ausência de preparo não é por má vontade — é por falta de diretrizes, formação e valorização.
O que pode (e precisa) mudar: caminhos para a inclusão real
A seguir, propostas concretas que podem transformar o transporte escolar em um espaço de acolhimento, dignidade e segurança para os alunos com TEA:
- Capacitação obrigatória sobre TEA
- Comunicação acessível
- Manejo de crises
- Sensibilidade sensorial
- Parcerias com SEST SENAT e Instituto Neuro
- Reconhecimento e incentivo aos profissionais capacitados
- Adicional salarial
- Prioridade em contratos
- Certificação oficial
- Veículos com ajustes sensoriais e de segurança
- Interiores silenciosos
- Espaço para acompanhante
- Rotas personalizadas
- Protocolos de emergência específicos para TEA
- Kits com comunicação alternativa
- Apoio terapêutico
- Treinamento para crises
- Reciclagem periódica obrigatória
- Atualização bienal
- Novas tecnologias assistivas
- Participação das famílias e da comunidade escolar
- Workshops e palestras
- Planejamento colaborativo de rotas
- Rede de apoio integrada
Inclusão: Antes do portões das escolas
Incluir começa antes da porta da sala de aula. O caminho até a escola precisa ser parte da inclusão — não mais um obstáculo. Preparar condutores, adaptar veículos e ouvir quem vive essa realidade é o mínimo para garantir dignidade aos alunos com TEA. Educação inclusiva não se limita à matrícula. Ela começa quando a porta da van se abre.
Fonte: Própria / Edição: Eraldo Costa / Imagem: Divulgação