Prefeitura de Guarulhos investiga possível deslocamento de dependentes químicos para a cidade.
Como fumaça que se dissipa no ar, a Cracolândia parece ter desaparecido das ruas centrais de São Paulo. Mas o que se apaga da vista não necessariamente se extingue. Segundo moradores de Guarulhos, os escombros sociais da capital reaparecem discretamente no bairro Parque Santos Dumont, como se o problema apenas trocasse de CEP.
Sem lenços e sem documentos
No Parque Santos Dumont, o aumento de pessoas em situação de dependência química tem despertado inquietação. A gestão do prefeito Lucas Sanches (PL) abriu investigação diante de relatos de que parte dos usuários removidos da Cracolândia estaria sendo transferida para a cidade. Não há anúncio oficial, tampouco rota declarada. Apenas a repetição do padrão: invisíveis que circulam sem destino, sem lenços e sem documentos, que perderam o fascínio pela vida e são guiados pelo vício.
Expulsos, “removidos por ordens”
Nos dias 12 e 13 de maio, segundo a Prefeitura de São Paulo, 122 pessoas foram retiradas da região central. A ação, comandada por Mello Araújo (PL), usou tropas de choque e cães farejadores. Parte dos usuários foi levada a centros de acolhimento, outros se dispersaram. A justificativa? Saíram voluntariamente. Mas o que parece escolha, na ausência de alternativas, é muitas vezes impulso de sobrevivência.
Os números não mentem — mas omitem
Dados de março de 2024 mostram que a Cracolândia reunia, em média, mais de 700 usuários no período da tarde. A remoção de 120 deles não explica o sumiço completo do fluxo. A matemática revela uma redução, mas o desaparecimento total aponta para algo além: deslocamento. Realocação. Remanejamento de um problema que se repete em novas esquinas.
Ecos de uma cidade
Em 14 de maio, o padre Julio Lancellotti compartilhou uma denúncia anônima. Segundo o relato, usuários de drogas foram transportados da capital até Guarulhos. O bairro mencionado, novamente, era o Parque Santos Dumont. A distância de mais de 30 quilômetros entre a origem e o destino sugere algo mais que coincidência. Indica um planejamento não declarado, mas em curso.
O muro invisível
A repressão é mais visível do que o cuidado. O advogado Giordano Magri, da USP, explica: pontos de reciclagem foram fechados, hotéis deixaram de acolher e movimentos sociais foram reprimidos. Os que antes eram alvos de políticas públicas, agora são alvos de remoções. O poder público escolhe o deslocamento como resposta, enquanto os usuários seguem circulando, sem teto e sem norte.
O que não se vê ainda existe
O esvaziamento da Cracolândia do centro paulistano não representa solução, mas disfarce. A cidade empurra seus conflitos para longe dos holofotes, enquanto municípios vizinhos sentem os efeitos colaterais. Em Guarulhos, cresce o alerta. O problema não some. Ele caminha — a passos forçados — em direção a onde menos se espera.
Fonte: www.tvtnews.com.br / Editor: Eraldo Costa / Imagem: Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil